25 outubro, 2016

Comentário sobre a mística da revolução afroculturalista

Em seu mais famoso retrato, Huey Newton ressignifica símbolos tribais como ameaça de uma revolução futura

Culturalistas e revolucionários constituíram duas correntes ideológicas antagônicas no movimento negro americano da segunda metade dos anos 60. Enquanto os culturalistas acreditavam que tínhamos de pregar um retorno simbólico a uma África idealizada, incorporando "africanismos" à lógica capitalista, movimentos revolucionários como os Panteras Negras e o Move achavam que não existia emancipação dentro do capitalismo. Para eles, o processo de criar uma estética pseudo-africana não faria mais do que substituir os opressores brancos por opressores pretos. Eu, que sou mais fã de Malcolm X e Angela Davis que de Beyoncé e Kanye West, não acho que o culturalismo possa levar à "implosão da Casa Grande".

Isso caberia à revolução, que perdeu a luta pelo coração dos negros americanos. Símbolo dessa derrota é o fato de que Beyoncé, ícone culturalista por excelência, apareceu no Super Bowl fazendo uma ode ao capital fantasiada de Pantera Negra. Huey Newton se revirou no túmulo com essa apresentação, tenho certeza. Porque ela significou a incorporação da estética revolucionária pela ética culturalista. Um golpe duro no pensamento radical.

O culturalismo, como faceta "afrofriendly" do mau e velho capitalismo, devora a dimensão utópica da revolução e vomita apenas o "visual" Pantera Negra, sem nenhuma força mobilizadora. Transforma o punho cerrado em um Che Guevara com orelhas de Mickey. O tradição radical do pensamento afroamericano ensina que o racismo é um subproduto indispensável do capitalismo pós-escravista. Então, ao esvaziar a jaqueta preta de sentido, Beyoncé X quebrou uma fronteira simbólica para a dominação do culturalismo sobre a utopia de extinção do racismo.

O intelectual negro W.E.B Dubois já tinha constatado, antes mesmo de existirem culturalistas, que o reformismo negro prestaria um serviço ao capitalismo e, consequentemente, à ideologia racista. Insisto: é um erro achar que o culturalismo possa levar à implosão da Casa Grande. Se é assim, como se explica o fato de que a Casa Grande não só não implodiu como se sofisticou no país do afroculturalismo?

Não podemos esquecer que o "presidente negro" executou extra-judicialmente mais não-brancos ao redor do mundo do que qualquer branco que ocupou a Casa Gran... digo, Branca. O Estado comandado por Obama mata mais negros do que matava com Bush. Mas isso passa despercebido graças à lógica culturalista, que confunde um símbolo estético individual com um progresso social real, impedindo que esse avanço coletivo de fato aconteça. No Brasil, a gente também teve esse fenômeno. O fato de o movimento negro de São Paulo ter apoiado em massa o Celso Pitta foi perfeitamente coerente com a lógica culturalista.

O que não é coerente com a lógica culturalista é achar que, por meio dela, se possa chegar a um fim anticulturalista. Se implodir a Casa Grande é mesmo o que a gente quer, nossa cara é começar a pensar de verdade em como afundar de vez o capitalismo. Não me parece que seja se integrando a ele, ficando rico.

Texto escrito em 1º de abril de 2016
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