05 agosto, 2009

MTV: fique com seus brancos

Vocês sabem que a MTV nasceu deliberadamente como um canal exclusivo para a classe média branca. Evitar negros na tela era política da empresa. Isso mudou quando um jovem gênio de sapato preto e meia branca andou na lua e transformou videoclipe em filme de Hollywood. Até o público branco queria ver Michael Jackson na tela. A alta cúpula do canal tolerou o preto em nome das verdinhas; hoje, a MTV americana é praticamente negra.

A MTV Brasil, pelo contrário: é o canal menos preto da TV aberta. É o único em que você liga e não vê preto figurante, preto cantando, preto dançando, preto VJ - tem lá seu Leo Madeira, mas o negrão ouve Radiohead e The Strokes. Deixo a pergunta, já sabendo a resposta, pra negrada que lê: representa a gente? Enfim, gostos musicais à parte, a verdade é que a MTV não põe preto nem pra varrer o chão. E, como eu não quero ver preto varrendo chão na tela da MTV, digo logo: MTV, fique com seus brancos.

Vou me explicar melhor: essa noite tive o desprazer de acompanhar o programa de debate (mal) apresentado pelo Lobão. Não sei se a ideia é fazer uma sátira das mesas redondas de futebol, em que todo mundo fala ao mesmo tempo, o convidado boia e o espectador mais ainda. Se é sátira, é ruim: não tem graça. Essa última edição discutiu o tema do post abaixo, sob o GC (aquele textinho que aparece no pé da tela), mal formulado "O mundo está muito politicamente correto?" - o ideal para o que eles queriam dizer era "O mundo está politicamente correto demais?". Fosse como fosse, não passaria de eufemismo. Porque a bola que eles queriam levantar era: "Por que não pode fazer piada de preto?"; e a resposta que eles queriam obter era que essa minoria é muito chata e cria caso com qualquer caso.

A estratégia para forjar o veredicto foi botar um negro político (da Secretaria de Igualdade Racial), que não poderia chutar o pau da barraca por trabalhar em um órgão público que é visto como macaquice pelo Brasil branco, cercado de descoladinhos. Descoladinhos são aqueles brancos que não têm racismo, que defendem a liberdade de expressão, que fazem piadas politicamente incorretas, mas que se lhes despirmos o racismo, sobra só o all star. Eles são terminantemente contrários às cotas - acreditam que seja reforçar o racismo ("que existe!", fazem questão de frisar... Me pergunto onde). Dizem que o problema da educação tem que ser resolvido na base, não com paliativos. Mas fazem questão de dizer que, pra resolver o problema do mundo, é preciso derrubar tudo e começar de novo. Quer dizer, eles são como o Rambo, o rebelde que alimenta o status quo, o lúmpen de um Brasil pseudo-pós-racial; são a cara da MTV.

Bom, deixem-me voltar ao debate. A mesa era mais democrática do que fiz parecer no último parágrafo - o negro não estava tão só. Ao lado (físico) dele, estava um homossexual que, coitado... Não conseguia fazer o "O" com um copo, como diria uma colega jornalista. Terminou sua participação dizendo uma preciosidade: "Não deixe que o racista te atinja, não importa o que os outros acham de você". É difícil ignorar o racismo dos outros, heim? Ele cospe na sua cara, dá tapa, dá tiro, te chama de macaco. Tinha também, à esquerda do negrão, um advogado branco - esse sim, um cara bacana. Mas que, cercado por tanta gente descolada, parecia um chato de terno e gravata, um inimigo do humor e da liberdade de expressão. No meio, o Lobão - que duas vezes, que eu me lembre, tentou balizar a conversa para o racismo dos negros contra os brancos - e do outro lado a turma descolada.

Coube ao branco solitário o papel de dizer que não, chamar negro de macaco não é bacana. O que mais me chama atenção nessa peculiar escolha de personagens são esses dois papéis: do negro de mãos atadas pelo cargo político e do branco defensor do negro. Dois papéis que, há 130 anos, poderiam ser representados da mesma forma, nas figuras do escravo e do abolicionista. O que a MTV promoveu ontem foi um circo bizarro da sociedade escravocrata: colocou o negro na posição de espectador passivo, um branco cruzadista a favor do negro, três sinhozinhos bem formados e um juiz em prol da ordem vigente. Todos esses últimos em defesa da liberdade de um coitado que foi privado, por hordas de minorias moralistas, de seu direito de expressar racismo. Quer dizer, a voltar às capitanias hereditárias da MTV, prefiro continuar com nossas Palmares - Cadernos Negros, Raça, Manos & Minas, Faculdade Zumbi dos Palmares, Hip Hop, Ilê Aiyê e tantos outros -, que foram conquistados e não cedidos pelos descoladinhos. Não precisamos da MTV descoladinha em nossos assuntos; que ela aproveite que Michael Jackson morreu e fique com seus brancos.
Compartilhar:

Inscrição

Receba os posts por email:

Delivered by FeedBurner